sexta-feira, 4 de março de 2016

Manifesto dos Advogados de Rondônia contra decisão do STF


Desde o fatídico 17/02/2016, quando o STF reescreveu a Carta da República, subtraindo do povo brasileiro uma de suas mais significantes conquistas civilizatórias, a de ser considerado culpado pela prática de um crime somente após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, assistimos uma onda autoritária e punitivista tomar conta da nação (aumento do poder do estado versus diminuição da liberdade do homem – Ferrajoli). Daí a necessidade do Direito como forma de impor freio ao autoritarismo estatal.
Muito foi escrito sobre o retrocesso que representa a decisão da Suprema Corte Brasileira, mas o que mais espanta é que ela representa simbolicamente uma guinada autoritária na supressão de garantias fundamentais do cidadão, que se somam a outras tantas.
A situação é extremamente preocupante, merecendo nossa irresignação, nosso combate, nossa insurgência, contra qualquer ato que atente contra as garantias que estão insculpidas na Magna Carta.
Juramos sua defesa ao colarmos grau na Escola de Direito. Juramos sua defesa ao recebermos nossas credenciais como Advogados. Talvez não convivamos tão bem quanto alguns, com injustiças e com decisões que vulneram garantias individuais conquistadas às duras penas. Honremos nossos antepassados (Rui Barbosa, Evandro Lins e Silva, Waldir Troncoso Peres, Sobral Pinto, etc.)
O fato é que com a decisão antecipar o cumprimento da pena (vale lembrar que sequer houve publicação do acórdão no STF) a Suprema Corte desequilibrou todo um sistema de garantias e tudo sob o pretexto de acabar com “impunidade que reina no país” e para que seja dado “efetividade ao processo penal”.
Pois bem. Obviamente que a decisão tem como parâmetro operações que se desencadeiam no país contra pessoas que são acusadas de praticarem crimes contra a administração pública, tendo a sociedade a noção da impunidade contra esses personagens (o momento da decisão parece ter sido escolhido a dedo, para contar com o apoio da massa cega). Daí a decisão possuir caráter populista. O fato é que no país que os presos já se aproximam de 700 mil (uma média de 40% de presos provisórios), o argumento da impunidade parece não vingar.
É preciso que saibamos separar bem as coisas. Uma coisa é a necessária punição de pessoas envolvidas em “assaltos” aos cofres públicos. Outra coisa é a supressão de garantias, de cláusulas pétreas constitucionais pela via estreita da discussão de um mero caso concreto. Essa última inaceitável sob qualquer argumento. Acreditem nisso.
No que toca a tal efetividade do processo penal pergunta-se: Processo Penal efetivo é aquele que culmina somente com prisões? Nas palavras do Eminente Ministro Celso de Melo, “o processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória – , o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público”.
Como ficaria então o novel artigo 283 do CPP? Fruto da última representativa mudança da lei processual penal pátria? Teria o STF o declarado inconstitucional? Sequer o menciona na decisão. Já que não gostamos tanto de respeitar a Constituição Federal, que respeitemos a Lei Ordinária então.
Em que modalidade de prisão encaixa a prisão antes do trânsito em julgado? Em que modalidade de prisão se encaixa a prisão após a decisão da segunda instância? Em nenhuma. Qualquer néscio ao ler o texto do artigo 283 do CPP concluirá que não é legítima a prisão após decisão da segunda instância que não tenha o caráter de medida cautelar (artigo 312 do CPP). O texto é claro.
Algumas perguntas surgem. Como ficaria a situação de uma pessoa que foi absolvida na primeira instância e, com recurso do Ministério Público, vem a ser condenado na segunda instância? Será preso imediatamente? Sem o Direito de, pelo menos uma única vez, questionar a decisão condenatória. Essa a representação do desequilíbrio do sistema.
O fato é que, na necessidade de haver prisão antes do trânsito em julgado, encontramos disposição específica na norma processual penal. Elas estão no artigo 312 e seguintes do CPP. Essas são as regras do jogo.
Não melhoraremos este país pela via estreita do Direito Penal. Não melhoraremos este país com o encarceramento de pessoas, simplesmente. Essa é uma ideia falsa vendida para nosso povo. É nosso dever alertar, mesmo com as críticas que recebemos, mas as perdoamos porque temos a consciência de estarmos fazendo nosso papel de defesa do Estado de Direito.
Não podemos assistir atônitos atos de vulneram conquistas históricas. Não seremos cúmplices de retrocessos civilizatórios.
Não acreditamos em soluções simples para problemas complexos. Discutamos então o porquê tanto tempo para o julgamento de recursos nas cortes superiores, STJ e STF. Discutamos a forma como os Tribunais Estaduais estão aplicando – ou não – os entendimentos das Cortes Superiores em casos que beneficiam acusados.
Discutamos a crise que ocorre nas primeiras instâncias, com Juízes pressionados a cumprirem metas desumanas, como se o ato de julgar fosse um ato mecanizado e o que importa são os números. Discutamos a quase impossível missão de se fazer chegar ao STJ ou STF um recurso, que não são admitidos pelos mais variados argumentos, em flagrante dificuldade imposta a não se alcançar a jurisdição superior.
Discutamos Direito, direito.
Cofiamos nos juízes deste país e rogamos que cumpram com o que prevê a nossa Magna Carta. Que cumpram o que prevê nossa Lei Processual Penal. Que essa onda de Estado Policialesco não permearão suas consciências a transformar atos de Justiça em atos de Justiçamento. Que ao final o Estado de Direito reine sobre subjetivismos de ocasião.
Os Advogados de Rondônia estão na “Luta Pelo Direito”, de punhos cerrados, altivos e em resistência aos contínuos ataques a nossa Ordem Constitucional. Não compactuaremos com retrocessos de conquistas civilizatórias (sob nenhum pretexto). Seremos intransigentes na luta pelas garantias fundamentais cravadas em nossa Lex Fundamentalis. Isso que juramos e isso que faremos.
OAB/RO, Comissão dos Advogados Criminalistas e Abracrim.

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